O crescimento dos casos de febre oropouche no Brasil vem colocando, mais uma vez, os insetos e os riscos que eles eventualmente possam oferecer aos humanos em pauta. De junho para cá, cresceu o número de casos - e de possíveis mortes - registrados pelo Ministério da Saúde, e cresceram também as especulações e o alarde em torno dos seus possíveis vetores. "O mais importante, neste momento, é entendermos que precisamos de entomologistas, que somos uma parte essencial da força-tarefa necessária para enfrentar situações como essa. Somos nós os atores capazes de mapear a distribuição do vetor e sugerir estratégias no sentido de reduzir o contato do vetor com os hospedeiros (seres humanos)", avalia o professor Mario A. Navarro, da Universidade Federal do Paraná.
O Orthobunyavirus oropoucheense (o vírus do oropuche) pertence a família da família Peribunyaviridae. É um arbovírus (vírus transmitido por artrópode) tendo como vetor insetos da família Ceratopogonidae (Diptera). Hoje, Culicoides paraensis é tido como o principal deles. A informação que a ciência brasileira acumula sobre esses insetos, no entanto, ainda é pequena e frágil. "Temos no Brasil áreas em que se conhece bem (sobre o vetor) e áreas em que não se conhece nada, ou se conhece muito pouco. Não sabemos como está a distribuição do vetor no Brasil. Temos mais informação na Região Norte, e em algumas partes do Nordeste. No Sul também temos lacunas… Então, o primeiro passo de enfrentamento é conhecer efetivamente quem é ou quem são os vetores de transmissão", alerta o professor Navarro.
O vírus que vem desafiando a saúde pública, explica o professor, é uma evolução de organismos conhecidos anteriormente. Pesquisas realizadas há alguns anos chegaram a apontar outros possíveis vetores, como o Culex quinquefasciatus, mas essas indicações consideravam outra cepa do vírus que não a identificada atualmente "É por isso que, neste momento, entendemos que devemos concentrar nossas atenções na distribuição e forma de ação do Culicoides paraensis, considerado o principal vetor." Na missão de avançar os conhecimentos sobre o tema, o professor Navarro e sua equipe estão envolvidos na preparação de um projeto para apresentação aos órgãos de fomento, e destacam também o trabalho realizado por pesquisadores na Fiocruz, no INPA, na Fundação Carlos Chagas, além de algumas universidades do país.
"Temos algumas informações importantes sobre o ciclo de vida deste vetor",acrescenta o pesquisador pós-doc Íttalo Medeiros. "Sabemos que o inseto se desenvolve em ambientes mais úmidos e ricos em matéria orgânica, principalmente em tocos de bananeiras, na vegetação marginal de rios, pequenas poças e dejetos animais úmidos, tanto em áreas rurais quanto periurbanas. Apresentam um ciclo de vida de um pouco mais de um mês e se multiplicam rápido e em grande número, por isso é um problema. Ele tem uma distância de voo curta, de alguns metros a poucos quilômetros, mas dependendo das condições de umidade, pode se espalhar um pouco mais."
Não há dados oficiais sobre o uso de inseticidas ou outras formas de cuidado que podem ser adotadas pela população. "Não há pesquisas que comprovem a eficácia do uso de repelentes, mas ainda assim é uma alternativa indicada nestes casos. Também devemos evitar períodos de crepúsculo, quando está anoitecendo e quando está amanhecendo. E também usar roupas que cubram a pele o máximo possível, principalmente em áreas de mangue, de matas e em parques urbanos", diz Íttalo.
A maior lacuna, porém, na visão dos especialistas, está nos dados de distribuição do inseto no país - há registros em vários estados, mas com poucos dados consolidados. "Precisamos ir a campo, coletar esse material, e isso implica em, de certa forma, nos expor. Estamos inclusive buscando técnicas de coleta que não exponha tanto o ser humano", diz o professor. Esta é, na visão dele, o principal desafio que temos, como país, no enfrentamento à doença, uma vez que houve muito avanço nas informações sobre a forma de atuação do vírus no organismo humano. "A estrutura hoje de conhecimento de biologia molecular é muito rápida e consegue muitas respostas. Esse é um lado positivo que temos que observar. No momento que você tem um sistema de saúde que consegue sequenciar o vírus e dizer que são diferentes, é ótimo. Mas há um descompasso muito grande com relação ao vetor. É urgente investir nos entomólogos, estimular a imersão dos entomologistas nesta questão."
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